Texto: O amor é uma curva acentuada à esquerda

Meio-dia. Ônibus lotado. Sol a pino, calor humano e nenhum sinal de nuvem no céu. Esse era o cenário em que chegou Maria Alice, carregando uma bolsa pesada e uma ecobag cheia de coisas. Estava voltando cansada da faculdade e queria sentar-se no primeiro banco que estivesse vazio. Mas não tinha bancos vazios. Ela parou em pé perto da porta, colocou a sacola entre as pernas e permaneceu lá, observando a paisagem pela janela até que algum lugar vagasse.
Eduardo estava sentado ali, pertinho da porta, lendo. Estava de folga naquele dia e ia almoçar na casa de um amigo. Absorto na leitura, às vezes parava e pensava naquele trabalho chato que teria de fazer depois, quando a comida assentasse.
De repente veio a curva. Aquela curva maldita, a curva da discórdia. Os motoristas nunca perdoavam e sempre dirigiam em alta velocidade – porque ali, até 20 km/h era exagerado. Qualquer um que estivesse de pé tinha de rezar para todos os santos para não cair. Principalmente Maria Alice, desengonçada que era e ainda com todo aquele peso nos ombros.
Segurou forte, inclinou-se para um lado, depois para o outro, mas não teve jeito: a bolsa escorregou até o cotovelo, ela tropeçou e quase caiu de cara no colo dele. Sim, por coincidência, ela estava em frente ao assento de Eduardo, mas eles ainda não tinham se visto. Maria Alice pediu desculpas, ele se ofereceu para segurar sua bolsa, ela aceitou e se apaixonou. Assim, à primeira vista. Assim, porque ele tinha sido gentil.
A partir de então, deixou de admirar a paisagem e só tinha olhos para ele. Aquele sorriso lindo e simpático, aquela barba por fazer, o cabelo meticulosamente bagunçado, os olhos claros. Ah, meu Deus, como ela não o tinha notado antes? Em que mundo a cabeça dela estava?
Enquanto ela perdia-se em seus pensamentos, a pessoa sentada ao lado dele pediu licença e saiu do ônibus. Eduardo ficou de pé e olhou para Maria Alice, convidando-a com a cabeça a sentar-se ao seu lado, na janelinha. Ela assentiu radiante, era recíproco! Ele também estava interessado nela! Ah, como seriam felizes juntos…
Já sentados, ele voltou para a leitura e ela, fingindo estar muito ocupada, tirou um texto da bolsa e pegou para ler também. De fato, no dia seguinte o professor comentaria aquele autor. Mas ela não conseguia avançar uma linha sem olhar de soslaio e tentar ver que livro seria o dele. Será que tinha bom gosto literário?
Eduardo tinha imergido novamente na história e mal dava atenção para ela. Também não dava sequer uma brechinha para que ela pudesse ver ao menos o autor do texto. Aflita, chegou a esbarrar no braço dele para pedir desculpas e ver se ao menos ele levantava os olhos. Nada, ele só sorriu de leve e disse “que é isso”.
Ah, aquele sorriso… De todas as coisas, ela só queria que ele descesse depois dela, só para não vê-lo partir. Ou então descessem juntos! Que maravilha não seria se eles desembarcassem no mesmo ponto, e pudessem inclusive caminhar por algum tempo na companhia um do outro. Talvez morassem próximos um do outro, ou até no mesmo prédio.
Enquanto pensava nisso, Eduardo deu sinal. Maria Alice entrou em desespero: ainda faltavam cinco pontos para ela descer. Precisava dizer algo, o tempo estava passando. Perguntar o nome… não, muito pouco. Pedir o telefone… muito direto. Perguntar o nome dele e o do livro, sim, essa seria a melhor forma de abordagem e…
– Tchau tchau.
– Tchau…
Droga. Tinha pensado demais. Demorado demais. Ele tinha ido embora. Ela não sabia nem seu nome, como ia encontra-lo novamente? Eles tinham tanto potencial juntos! Seriam muito felizes, teriam filhos lindos, de olhos azuis. Ou talvez ele estivesse indo para a casa da namorada, e por isso não tinha conversado com ela. Ai, o amor não correspondido e um coração partido, como doem.
Pegou o texto na mão de novo. Estava aberto na mesma página há 20 minutos, desde que o pegara. Tentou ler mais uma vez, mas logo o guardou na bolsa. Não conseguia concentrar-se em nada.
Desceu do ônibus pensando em Eduardo, que para ela podia ter milhares de nomes. Olhou em frente e viu o ex-namorado entrando em casa. Ficou mais leve e de consciência mais tranquila. É, talvez fosse só carência.

Mais um texto daqueles ficcionais de quando me dá uma inspiração louca e eu escrevo assim, sem motivo.
Bom, talvez não esteja sendo muito sincera: o motivo desse texto chama-se Luís Fernando Veríssimo. Terminei hoje de ler Amor Veríssimo, um livro muito divertido e que eu recomendo. E como sou apaixonada por ele e pelo modo como ele escreve, acabei me inspirando e escrevendo essa crônica durante a tarde.
Espero que tenham gostado =D

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